Atualidade dos Tribunais
1) DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA REQUER ATENDIMENTO AOS PRESSUPOSTOS DO ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL, DECIDE STJ
Renato Nunes
Em decisão recente, de 20 de maio de 2008, proferida no Recurso Especial nº 744.107, ainda não publicada, o Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento, fundamentado no artigo 50 do Código Civil, de que há necessidade de comprovação efetiva dos requisitos lá previstos – desvio de finalidade ou confusão patrimonial – para a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária.
Significa dizer que, há que se fundamentar os motivos que levam o juízo a decidir pela desconsideração e conseqüente extensão da obrigação aos sócios ou empresas controladoras, sob pena de ofensa, inclusive, ao artigo 131 do Código de Processo Civil.
De fato, segundo o Relator Ministro Fernando Gonçalves, a ausência dos requisitos do artigo 50 do Código Civil, somada à falta de fundamentação pelo juízo, "leva a afastar a extensão do arresto às recorrentes em razão da exclusão da desconsideração da personalidade jurídica da devedora, ressalvado o direito de a recorrida obter nova medida para a defesa de seu crédito acaso comprovadas as condições previstas no retrocitado artigo (artigo 50 do Código Civil)."
O entendimento não poderia ser diferente. Não é de hoje que vemos inúmeras decisões conflitantes, umas desconsiderando a personalidade jurídica das sociedades pelo simples inadimplemento de suas obrigações, permitindo o ingresso no patrimônio pessoal dos sócios, o que, muitas vezes, é feito sem a devida intimação com simples bloqueio de suas contas correntes, e, outras, indeferindo a desconsideração, ainda que expressamente permitidas por lei.
Muito embora a lei determine a limitação da responsabilidade dos sócios e permita a quebra dessa barreira somente nos casos específicos em lei – como no caso do artigo 50 – a eficácia da norma cai por terra frente a decisões mal fundamentadas, como a proferida em instância inferior no presente caso, e acabam por gerar enorme insegurança jurídica nas relações sociais em geral.
Como exemplo de normas que permitem expressamente a desconsideração por simples descumprimento obrigacional, temos o Código de Defesa do Consumidor, que no artigo 28, § 5º, determina que "Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores", e o artigo 4º da Lei nº 9.605/1998 – a qual dispõe sobre os crimes ambientais -, que, no mesmo sentido, determina que "Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade dor obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente."
Tais exemplos permitem a conclusão de que a desconsideração, independente do atendimento aos requisitos exigidos pelo artigo 50 do Código Civil, é cabível nas hipóteses em que a lei visa proteger determinado grupo de pessoas (consumidores) ou coisas (meio ambiente) cujos poderes de reação, frente às mazelas causadas pela pessoa jurídica ofensora, são reduzidos ou inexistentes.
É a chamada "teoria menor", inclusive, lembrada no acórdão, no qual o Ministro consigna que o caso julgado não condiz com a "chamada teoria menor: desconsideração pela simples prova da insolvência diante de tema referente ao Direito Ambiental (art. 4º da Lei n. 9.605/1998) ou do Consumidor (art. 28, § 5º, da Lei n. 8.078/1990), mas sim da teoria maior que, em regra, exige a demonstração do desvio de finalidade da pessoa jurídica ou a confusão patrimonial."
Assim, conclui-se que a decisão sob comento servirá para melhor direcionar o entendimento dos juízes em geral, tanto com relação aos casos em que devem permitir a desconsideração para cumprir obrigações inerentes à sociedade, como nas hipóteses em que, somente tendo sido atendidos os requisitos impostos pelo artigo 50 do Código Civil, será possível levantar o "véu" da pessoa jurídica e alcançar o patrimônio pessoal de seus sócios.